Teve uma vontade imensa, surgida do nada, de dizer “eu te amo” para alguém. Que gritasse num travesseiro foi a primeira ideia, mas sabia que não ia funcionar. Travesseiros podem ser bons amigos às vezes, porém esta não era mais uma vez qualquer. O “eu te amo” tinha de ser para quem ouvisse, entendesse e não fosse da família. Vivo e lépido.
Colocou a roupa e olhou-se no espelho: sentiu-se bonita, um excelente e raro sinal. Estava um pouco atrasada e saiu logo, cruzando a rua com um “eu te amo” na cabeça. Resistiu em dizê-lo para a primeira pessoa que visse, gesto potencialmente mal-interpretado. Ela andava olhando para os lados procurando brechas, oportunidades. A manhã clara fazia-se cedo, cheia, lotada de eu-te-amos possíveis, nunca suficientes.
Encontrou um rosto conhecido na parada de ônibus.
— Oi. Bom dia!
— Dia. Está bonita hoje.
— Brigada — disse, confirmando-se com declarações de amor inauditas.
Olhou tão fundo nos olhos dele que ele até se assustou. Eu-te-amo-eu-te-amo-eu-te-amo.
— A gente se conhece a muito tempo, né? — soltou ela, sem saber direito como começar. Ele riu um pouquinho.
— Você é uma amigona.
Tem de ser assim, um tiro. Rápido. Direto.
— É que eu queria dizer... eu te amo.
Susto.
— É... que lindo de você. Eu também te amo — ele respondeu, meio sem graça.
Ela riu, um pouco desapontada. O desapontamento logo passou, entretanto, ao ver que tinha dito eu te amo e que fora compreendida. Ficou feliz.
Eu-te-amos nunca saem à toa, pensou antes de subir no ônibus.